Veraneio Ijal: um exemplo de ferida aberta das cidades brasileiras

Gustavo Montoia

Recentemente foi noticiado em jornal televisivo a situação problemática da população do bairro de Veraneio Ijal, aqui em Jacareí, sobre a ausência de saneamento básico, asfalto, drenagem, iluminação pública e problemas como enchente. É um bairro que possui 70 anos, e, recentemente, considerado parte da área urbana do município.

Essa situação reflete a história da nossa urbanização: surgimento de bairros renegados pelo Poder Público na onda de crescimento populacional das cidades entre as décadas de 1950 a 1970, sem acompanhamento de infraestrutura básica. À medida que os anos se passaram, o fator eleitoral prevaleceu no atendimento das regiões centrais e dos bairros cuja população tem maior poder aquisitivo.

Com o aumento do mercado imobiliário, cada vez mais restou à população, locais mais distantes para moradia, que, em alguns casos, eram áreas inicialmente rurais e, em outros casos, bairros clandestinos que surgiram às vistas negligentes do Poder Público Municipal.

Esses casos são encontrados em Jacareí e São José dos Campos, cujas administrações municipais ignoraram a expansão de bairros em áreas consideradas fora do perímetro urbano, e como a prefeitura “não tinha obrigação legal” em cumprir com atendimento de qualquer infraestrutura, ficaram dezenas de anos sem obras públicas.

Contudo isso é uma negação ao direito à cidade, e uma sujeição ao mercado imobiliário que contribui para o encarecimento das moradias em bairros já estabelecidos, negando aos mais pobres bairros com áreas de lazer, escolas, praças, saneamento básico, asfalto, coleta de lixo e demais direitos humanos inalienáveis.

O caso de Veraneio Ijal, apesar da Prefeitura Municipal apresentar um cronograma de execução de obras, que pretende entregar ainda este ano saneamento básico, e, a depender do orçamento, demais infraestruturas em 2024, é também um caso do quanto os municípios brasileiros não possuem uma adequada administração de seu território, que continua a atender somente as regiões centrais e os bairros com maior número de eleitores.

Essa realidade é também resultado dessa nossa cultura do benefício individual sem pensar nas necessidades coletivas. Recentemente um aluno em sala de aula reclamou da precariedade do asfalto no bairro Santa Maria e em algumas ruas na região central. Apesar de concordar em parte, levantei a questão de lugares que nunca são atendidos. Será que nós, cidadãos de uma mesma cidade, estamos dispostos a cobrar que os outros bairros, as outras pessoas distantes de nossas ruas, também sejam atendidas? Ou apenas reforçamos esse padrão eleitoral que induz a política municipal e permite, inclusive, que vereadores mantenham um curral eleitoral como se fossem exclusivos de um único bairro ou região?

Por fim, o município de Jacareí possui um Plano Diretor de meados de 2005, considerados um dos melhores do país e que, agora, está em fase de revisão. O quanto essas necessidades estão realmente sendo escutadas por tais vereadores para garantir que esse cuidado com o território municipal esteja claramente redigido em suas páginas? Sempre temos perguntas, nem sempre temos respostas suficientes. E o que era para ontem, ficou para amanhã.

Gustavo Montoia é geógrafo e doutor em Planejamento Urbano e Regional pela UNIVAP. É docente dos Colégios Univap e da EE Francisco Feliciano F. da Silva (Verdinho) e pesquisador-colaborador do Laboratório de Estudos das Cidades da Universidade do Vale do Paraíba.

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