Sabonete para os professores

Gustavo Montoia

• Na tentativa de homenagear os professores neste ano, confesso que tive dificuldade. Palavras como sucesso, satisfação, bons resultados, aspiração, promoção, soaram falsas e até mesmo irreais diante de algumas circunstâncias que se repetem. Ao mesmo tempo parece que, se estas palavras em nenhum momento tiveram sentido, nunca fomos professores, nunca fizemos algo relevante, o que sabemos que não é verdade. Entretanto, para homenageá-los neste dia, no lugar destas palavras, o que desejo de todo o meu coração aos professores é “tenham sabonete”! Sabonete aos professores neste dia!

• Sabonete para lavar bem seus rostos diante de uma política que tenta maquiar a educação brasileira com discursos de aprovação, bons salários, escolas seguras, e satisfação por parte de todos. Os pais adoram as escolas de seus filhos. Não há nenhuma dificuldade em lecionar em salas pequenas e lotadas. O professor auxiliar imaginário está ali, todos os dias, ajudando os alunos com dificuldade.

• Sabonete para lavar-se da lambança que fazem com o que tentam chamar de carreira ou profissão que venha a atrair bons profissionais. Descaracterizam cada vez mais a profissão, fragmentam os professores em categorias de “A a Z”, caem sobre nós Leis tão genéricas que interpretam como querem. Há ainda a culpa da educação, que está nos profissionais desqualificados, sem formação continuada, sem conhecimento de causa real de seu objeto de trabalho. Promoção salarial está tão cheia de requisitos, que parece um favor, não um direito.

• E que dure muito tempo os banhos, as torneiras ligadas, os chuveiros bem quentes. Não vamos economizar. Precisamos fazer espuma. Gaste sabonete. Precisamos de banhos no espírito, na alma, no coração. Precisamos sair de nossas escolas, pendurar o jaleco no cabide e viver. No prazer de nossa profissão que ainda conseguimos enxergar, na satisfação de nosso saber, de nossa cultura e conhecimento que, acima de tudo, nenhuma dificuldade ou estupidez podem apagar, sabemos que há vida depois do magistério. Há coisas a fazer depois das horas desreguladas e inesperadas e dos horários complicados e incertos de nosso trabalho, muitas vezes sem até pagamento.

• Nessa sociedade burra que elege e reelege “fichas-sujas”, semianalfabetos e caricaturas da política brasileira, precisamos de banho na consciência e na esperança. Precisamos assumir nossa influência. Precisamos deixar de ser imparciais diante da realidade e não na falsa percepção de que adotamos um partido – como se realmente fosse satisfatória qualquer proposta, até porque, nenhuma será válida o suficiente se não houver escuta por aqueles que pisam o chão da escola.

• Proposta educacional é uma ilusão no discurso “aprender a aprender” ou no alunado que não possui maturidade para escolher. Enquanto todos os agentes da escola, bem mais que os alunos, e, principalmente os professores que estão na linha de frente não forem devidamente reconhecidos, é melhor nos acostumarmos com esse ciclo vicioso que vive a sociedade brasileira.

• Por fim, dar de presente sabonete aos professores é saber que acima de qualquer maquiagem ou sujeira política, todos os dias entram em salas de aulas pessoas que ainda pensam no bem. Profissionais que driblam estereótipos, dificuldades e mentiras. Profissionais experientes, qualificados, que não estão parados no tempo como tanto vomitam os discursos sobre em quem jogar a culpa.

• Parabéns, professores. Porque todos os dias são seus. E todos os sabonetes também. Não há nada melhor que um banho e um sono depois de um dia de trabalho.

Gustavo Montoia é geógrafo e doutor em Planejamento Urbano e Regional pela UNIVAP. É docente dos Colégios Univap e da EE Francisco Feliciano F. da Silva (Verdinho) e pesquisador-colaborador do Laboratório de Estudos das Cidades da Universidade do Vale do Paraíba.

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