O mundo é uma escala de cinza

Gustavo Montoia

• A polarização política que aumentou nos últimos anos é uma doença no comportamento das massas sobre quem tem razão custe o que custar, nem que para isso, você faça inimigos. Seu tio de 70 anos, um homem tradicional, conservador, que possui resistências quanto algumas mudanças culturais, mas que trabalhou a vida inteira, pagou impostos, pai presente, com identificação política baseado em um comportamento religioso, foi transformado em fascista porque acredita que a ditadura foi boa. Da mesma maneira, uma ativista que defende a descriminalização do aborto é agredida na rua por defender que “crianças sejam mortas”, chamada de devassa, mesmo sendo casada e mãe.

• Na polarização, existem apenas dois lados, o do bem e o do mal, cada qual defendendo seu ponto de vista de maneira absoluta pensando ser luz, enquanto os outros são trevas, seja na moral, nos valores religiosos ou na defesa de direitos civis. Talvez seja esse mais um dos motivos que justificam o Brasil ser o país mais ansioso do mundo, segundo a OMS. Todos nós vibramos para ganhar no grito, detendo toda a razão em nome de um ideal relativo.

• Nesses dois únicos times existentes em nossa sociedade, o bem versus o mal, surpreende que se aliste neles, pessoas que acompanharam e sofreram revezes políticas dos últimos 20 anos. Por exemplo: grande parte do professorado do estado de São Paulo possui um ranço significativo com os governos do PSDB, inclusive na figura do Geraldo Alckmin. Quem imaginaria que, atualmente, ele seria vice-presidente de Lula?

• Isso me leva a arriscar que, daqui a 20 anos, encontraremos militantes entrincheirados no PT ou no PL realizando coalizão, no discurso de que agora “amadureceram e agem pelo bem do Brasil, um país que precisa de avanços em vários setores”, os mesmos setores de sempre que angariam votos. Imagina em 2040 um dos filhos do Bolsonaro formar chapa com Haddad? Imagina a cara dos que, na atualidade, rompem com parentes, classificam níveis de fascismo nas pessoas ou brigam porque a esquerda desvirtualiza pessoas? Todas essas pessoas, defensoras acríticas, precisarão arrumar outro discurso.

• Ironias à parte, a verdade é que o mundo é uma escala de cinza, mas todo mundo adora um maniqueísmo na sua vez. Cheio de certezas, está na hora de olharmos ao redor e construir pontes, pois essa que é a real política. Precisamos verificar as ações dos políticos em prol do povo, pois os resultados falam mais que os discursos. O cidadão comum, que tem político preferido, ainda que vocifere nas redes sociais, é, na maior parte das vezes, uma agradável pessoa no dia a dia, mesmo com suas contradições, ou seja, não tem nada a ver com o criminoso que o nosso sistema de vigilância moral é tão rápido em identificar, seja no viés da direita ou da esquerda.

• Como já afirmaram outros, quem estuda, olha os fatos, possui muitas dúvidas e certezas “desconfiadas”, busca mais coerência em suas posições ou, ao menos, é crítico. O conflito envolvendo Israel – Palestina é um ótimo exemplo para duvidar primeiro e ouvir mais e não ser como aqueles que defendem a ação violenta do Hamas, um grupo que oprime mulheres e minorias, e nem como aqueles que beatificam o Estado de Israel, sempre violento e acusado de promover apartheid social com os espremidos na Faixa de Gaza.

• Sabemos que o caminho da moderação é difícil, e somos mais suscetíveis a entrar rapidamente em uma defesa. Isso não é exatamente um defeito, entretanto, se você não possui um acompanhamento em um satélite espião em tempo real é melhor tomar cuidado com algumas posições. Isso serve para essa militância cansativa que tecla constantemente nas redes sociais ao pensar que sua postura de cancelamento fará o mundo um lugar melhor.

• Assim, compreenda que o mundo é uma régua que tem muito mais que 50 tons de cinza. Olhe para ela, será mais fácil encontrar nuances do que reconhecer onde ela começa e termina. E chame sua família para almoçar no domingo!

Gustavo Montoia é geógrafo e doutor em Planejamento Urbano e Regional pela UNIVAP. É docente dos Colégios Univap e da EE Francisco Feliciano F. da Silva (Verdinho) e pesquisador-colaborador do Laboratório de Estudos das Cidades da Universidade do Vale do Paraíba.

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