Este ano é o triste aniversário de 10 anos do incêndio da Boate Kiss, que levou embora mais de 200 vidas. Além da impunidade, os alvarás e as “vistas grossas” somam-se aos equipamentos e itens utilizados sem “nunca” pensarem que poderia ter um efeito desastroso, como aquela manta inflamável no teto da danceteria.
Comércios e supermercados, muitas vezes, estão sem saídas de emergência, sem extintores de incêndio, sem segurança ou câmeras quando as regras estavam ali, nos documentos públicos. Ninguém espera um teto de uma igreja desabar, até perceber que o peso não era suportável para sua estrutura.
Um restaurante abre em uma rua de grande fluxo de carros e aumenta o congestionamento em períodos de funcionamento. Não existe medida preventiva do poder público antes de qualquer autorização ou estudos de impacto de vizinhança, muito menos interesse do “mercado” em contribuir para uma organização coletiva.
Políticos parecem heróis após enchentes e suas catástrofes. Apesar da importância de suas atuações, como o poder público não foi capaz de enfrentar qualquer grupo social ou econômico pelo bem-estar coletivo e a organização territorial de uma cidade que deveria ter como prioridade a segurança de seus concidadãos?
Um viaduto é construído para resolver o estresse do congestionamento. Municípios necessitam, então, de empréstimos elevados para a execução de uma obra que sai muito mais cara que o planejado e, no final da construção, ainda apresenta pouca solução para o que se previu.
O urbanista Carlos Nelson Santos afirmou que “o malfeito e o errado trouxeram resultados bem lucrativos”. É inocência nossa que as coisas possuem falta de planejamento, quando, na verdade, é a manutenção do discurso público ineficiente que sustenta um “mercado” que é vampiro de nossos recursos.
Vem desse mal feito e do erro, a beleza da escrita que as normas possuem (nossa Constituição está entre as mais modernas do mundo!) e o realizar de qualquer jeito para culpar o inesperado.
Temos, em nosso país, propostas excelentes, planos de governo audaciosos e um discurso de “país do futuro”. Chegamos ao século 21 e, agora, esse futuro glorioso ficou para os próximos decênios, enquanto nossas mazelas, calcificadas, ficam à espera de um super-herói.
Santos ainda afirmava que o Brasil não é mais aquele do passado, mas nunca chegou a ser “o que se queria que fosse”. Ficamos eternamente no limbo. Isso me lembra uma passagem bíblica do rico e do Lázaro. Os dois morreram e desceram ao submundo. Lá, o rico, soberbo, ficou em um lado de tormenta e sofria de sede. Separado por um abismo intransponível, Lázaro, o mendigo, desfrutava do consolo que nunca teve em vida. O rico com sede, clamava por água, em vão. Não havia condições de passar para o outro lado.
Como país, tentamos constantemente passar para o outro lado, um lado “melhor”. Enquanto as classes políticas e econômicas continuarem soberbas, com projetos pessoais manipulando o Estado, será que alcançaremos algo como sociedade? Pois ainda ignoram os muitos Lázaros que existem. E não podemos esperar que elas morram de sede em um pós vida para algo mudar: esse mal-feito e errado precisa ser substituído pelas normas, por controle público, por fim dos privilégios políticos, pela exigência popular que entende um país para si, isto é, por um Brasil, cujo território e recursos sejam pensados em nome de um verdadeiro bem comum.
Gustavo Montoia é geógrafo e doutor em Planejamento Urbano e Regional pela UNIVAP. É docente dos Colégios Univap e da EE Francisco Feliciano F. da Silva (Verdinho) e pesquisador-colaborador do Laboratório de Estudos das Cidades da Universidade do Vale do Paraíba.
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