O brasileiro quer um mapa simples para a paz

Sobre o que realmente importa

Em dois pequenos passeios, uma observação tão banal me levou a uma reflexão. Estava em uma cidade do litoral norte; naquele dia, a família quis almoçar no shopping. Sentado à mesa, vi uma mulher com blusa vermelha, calça jeans um pouco surrada e uma mochila – dessas que a gente usa no dia a dia – bem gasta esperando um lanche com hambúrguer.  Eu estava desfrutando de uns dias de folga, e ela de passagem entre o horário de trabalho e outro compromisso (ao menos, foi o que me pareceu). Fiquei imaginando que ela queria apenas comer e sair dali. Queria apenas desfrutar de um “luxo” fora da rotina que é um lanche que acabamos por comer, não para matar a fome, mas para saborear alguma coisa diferente.

Em outra data, estava em outra cidade litorânea, no sul do estado. Fui ao shopping levar meu filho para ver papai Noel. Ali, vi um homem de mãos dadas com sua esposa (imagino eu) e com os filhos andando pela decoração de Natal. Eles sorriram, tiraram fotos, e saíram conversando como alguém que realmente estava passeando.

Nessa vida no gerúndio — sempre correndo, sempre fazendo —, eu me vi nessas pessoas. Me vi na correria e quem sabe conseguir comprar um lanche que nem sempre meu salário suportava. Me vi no prazer de uma companhia, que traz um aconchego em não estar só diante de toda correria que este mundo exige. Todo mundo quer um emprego, um salário que pague as suas contas, e, por alguns dias, poder ter um lazer!

Nessa minha busca por conhecimento, por profundidade – como nerd que sou, gosto de estar entre os livros, gosto de ler e compartilhar, gosto de estudar – às vezes, com o estudo vem a compreensão, com a maior compreensão, vem a luz, mas também, por ora, alguns desapontamentos. É como aquele antigo provérbio, ao afirmar que, “quanto maior a ciência, maior a tristeza”. Justamente nesses momentos, junto à correria de tantos horários e muitos dias cansados, eu me lembro de um casal que conheci: eles são a satisfação na simplicidade.

José e Maria (assim os chamarei), possuem pouco estudo, ainda lendo com dificuldade, silabando. São trabalhadores braçais, com muito suor e calos nas mãos. Chegam em casa, tomam banho, jantam e, antes de dormir, veem um pouco de TV. Em outro dia vão à igreja (onde os conheci), ali eles oram, se emocionam, cantam louvores de coração e braços abertos, são disponíveis nas atividades voluntárias da igreja e acolhem aquele que chega com inúmeras dificuldades e problemas.

Maria já passou por sérios problemas de fluxo menstrual, e, depois de muito tempo, quando tudo passou, seu marido compartilhou isso comigo. Enquanto eu a via sorrir, ela também estava sofrendo, mas optou por sorrir (se escolhesse chorar, que problema teria? Nenhum). Eles olham nos olhos, abraçam, gostam de um churrasco, e ajudam quem pode. Não estão discutindo política, criando desavenças, problematizando e com tempo gasto nas discussões presente nas redes sociais.

Aquela moça no shopping, aquele rapaz de mãos dadas com sua esposa, José e Maria almejam apenas ter paz. Eu quero ter paz. É ter trabalho, renda digna, direitos preservados, atendimento médico quando necessitar, lazer por alguns dias (ali, na praia) e um lugar para descansar. Não sei se possuem a angústia que Søren Kierkegaard tanto elaborou, se são consumidos por inúmeras possibilidades que a academia muitas vezes insiste em discutir. Ou, ao possuí-la, como inerente à nossa humanidade, encontraram a liberdade para viver suas vidas de forma autêntica.

Nessas geografias, onde o cotidiano de cada um se manifesta, não existem esses inimigos políticos que as redes sociais querem produzir tão artificialmente, existe apenas a vontade de viver, viver bem, viver com alguém, ter suas necessidades materiais atendidas e uma praia em dia ensolarado.  

Gustavo Montoia é geógrafo e doutor em Planejamento Urbano e Regional pela UNIVAP. É docente dos Colégios Univap e da EE Francisco Feliciano F. da Silva (Verdinho) e pesquisador-colaborador do Laboratório de Estudos das Cidades da Universidade do Vale do Paraíba. @semanariojornal

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