Mente vazia é oficina de mentiras

Gustavo Montoia

 • Uma única variável não é capaz de explicar a violência contra a nossa democracia que ocorreu dia 8 de janeiro em Brasília. Já é possível encontrar explicações – inclusive o avanço da extrema-direita em outros países e os ataques ao Capitólio nos EUA. Me deterei a alguns pontos básicos que se somam nessa complexa análise.

 • Bolsonarismo é falta de lição de casa! No esteio dessa ideologia está a apologia à ditadura militar que ocorreu em nosso país. Apesar de ser assunto em filmes, novelas, documentários, nosso país não fez a lição de casa como deveria – como faz a Alemanha com o nazismo.

• Criou-se uma ilusão de governos sem corrupção e bons resultados econômicos, como o Milagre Econômico sem reflexos na sociedade e, tal como uma fumaça, logo dissipado pela crise da década de 1980.

 • Outra negação em nossa sociedade é com as disciplinas de Ciências Humanas, sempre reduzidas no ensino básico e ofuscadas nos últimos anos, com perseguição política, distorção do que os professores ensinam, suprimidas pela BNCC e o Novo Ensino Médio.

• Não existe o aprendizado para construir prédios, abrir avenidas, tratar pacientes, cuidar de animais, desenvolver softwares, botânica ou quaisquer outras áreas sem o envolvimento das relações socioespaciais, históricas e filosóficas. Contudo, idealizou-se que, a visão tecnicista é neutra, apolítica, e capaz de atuar sem pensar a sociedade em que se vive.

 • Ainda, esse movimento político é promotor daquilo que critica: é movido por uma ideologia cuja esperança é o passado, pois, a insatisfação com o presente costuma gerar nas pessoas o pensamento de que, antigamente, era melhor, quando não havia acesso a escolas, a violência contra mulheres era normalizada, o racismo sufocava, as pessoas tinham suas vozes caladas, porém, a imagem que pregam é de um passado glorioso, melhor para todos.

 • Esse mesmo movimento relativiza ditadura militar, quando, na época, aqueles velhinhos e velhinhas que vandalizaram Brasília eram alienados, entravam para suas casas ao toque de recolher, com medo da polícia, que muitas vezes agia arbitrariamente. Se naquela época essas mesmas pessoas expressassem suas opiniões políticas era pau de arara nelas. Hoje a miscelânia é tão grande que vem acompanhada com pessoas segurando Bíblias nas mãos, pedindo intervenção militar, acompanhadas com a bandeira de Israel e símbolos e gestos do nazismo.

 • Desde nossa redemocratização, não ocorreu no Brasil uma manifestação popular com a intenção de Golpe de Estado, como ocorreu nesse domingo. Não adianta comparações. Esse é outro fator: o extremismo possui disfunção cognitiva – não sabe realizar comparações, diferenciações e nem medir as consequências daquilo que escolhe em seu discurso.  Isso me lembra Piaget, pois são pessoas que possuem o operatório formal pouco desenvolvido ou incompleto. Não sabem abstrair. Não sabem verificar a “escala cinza” da vida. Daí vem a crença nesses absurdos dos últimos anos.

• Afirma o ditado que “mente vazia é oficina do diabo”, cheia de mentiras, bem propício para compreender aqueles que tentaram assaltar a democracia tomando seus espaços simbólicos com dissonância de pensamentos e confusões de espíritos – na esperança de um messias que reforçou a crença em seus estereótipos. O brasileiro não precisa ser estudado, ele precisa estudar.

Gustavo Montoia é geógrafo e doutor em Planejamento Urbano e Regional pela UNIVAP. É docente dos Colégios Univap e da EE Francisco Feliciano F. da Silva (Verdinho) e pesquisador-colaborador do Laboratório de Estudos das Cidades da Universidade do Vale do Paraíba.

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