Gustavo Montoia: Depois de 20 anos de magistério

Este final de mês eu completo 20 anos de magistério. Fui professor eventual-substituto com 19 anos, pois estudei no CEFAM. Depois, já como estudante de Geografia, consegui umas aulas livres, pois, na época, faltavam professores com essa formação. Trabalhei como contratado até em 2007 me efetivar na rede estadual de ensino.

Tenho experiências significativas na profissão, com resultados – sempre pontuais – importantes, pois, na educação o que existe são momentos de iluminação ao lado das sombras que permanecem.  Poderia até registrar situações que me fizeram realizado, mas não o farei hoje.

Como professor da rede pública, além do salário que sempre deixou a desejar, (pois muitos professores vivem à base de empréstimos bancários e 60 horas-aula por semana), as condições de trabalho sempre foram difíceis. É isso que pega. Quantas vezes as avaliações dos alunos, impressas, bem elaboradas, foram pagas por mim na papelaria ao lado escola?

Os eventos que ocorreram, como mostra cultural ou finalizações de projetos não foram pagos pela escola com verbas da Secretaria da Educação, e sim, com “vaquinhas” realizadas pelos próprios colegas de trabalho. Me lembro até hoje de uma professora que foi advertida por escrito por pedir 0,10 centavos aos alunos para imprimir as provas. Trabalhei em uma escola, nas raras vezes que equipamentos foram enviados aos professores, que uma gestora escondia o tonner da impressora quando ficava sabendo que eu tinha prova marcada. Eu gastava demais!

E somente agora, em 2022, que vou ao trabalho e existem televisores em todas as salas de aula para projetar slides, assistir algum vídeo, possibilitar outras formas de ensino-aprendizagem sem aquela disputa entre colegas por um único projetor, sem internet na escola usando notebook próprio.

Foram episódios recorrentes que estiveram ao lado de 11 horas de aulas vagas, das quais não ganhava, ao lado de situação de violência que envolviam alunos drogados, ameaças por exigir disciplina na aula e vistas grossas de alguns gestores – pois a “culpa” é do professor que não tem autoridade!

São 20 anos na rede pública com achatamento salarial, um vale-alimentação apelidado de “kit-coxinha” e perda de direitos. Dois anos atrás, criou-se uma polêmica sobre a falta abonada, ou seja, 6 dias no ano que o servidor público tinha o direito de faltar sem desconto no salário. Um deputado sensacionalista nos chamou de vagabundos, que isso era uma “mamata”. Em uma votação no congresso isso foi retirado.

Acontece que recebemos salário por 30 dias. Como temos 6 meses com 31 dias, isso significa que não ganhamos por estes 6 dias. Agora, trabalharemos 6 dias por ano de graça. Isso sem contar que, se o professor, seja o motivo que for, se atrasar na primeira aula, ainda que vá à escola e ministre as outras 6 ou 7 aulas restantes, ele não ganhará por aquele dia. Uma falta-hora é considerada falta-dia.

Por fim, no último ano que Doria estava no governo estadual, a equipe apresentou a “notória” nova carreira do magistério, com salários subsidiados, ou seja, não é salário-base para contar na aposentadoria, com provas e aprovações da equipe gestora da unidade escolar para oferecer a promoção ao professor, deixando-o em uma decisão subjetiva. Não há carreira desse modo, há subserviência.

São 20 anos que assisti precarização, já alertada por colegas mais velhos. Isso sem apontar tantas situações: falta de ventilador, banheiros sem papel higiênico, gotejamento em dia de chuva, falta de livros – raras vezes percebi que chegaram para o número total de alunos, e tantas outras ausências de materiais que não caberiam neste texto. Recentemente, uma reportagem foi noticiada sobre a situação precária de escolas públicas como se fosse grande novidade…

Por isso, faço destes 20 anos um relatório da realidade para quem pensa que gastamos tempo com “kit-gay” ou “doutrinações”, mas não comparecem nem às reuniões de pais ou ameaçam o professor caso ele advirta o aluno por não cumprir com o dever. E, antes que me aconselhem a pedir exoneração, já respondo a pergunta: como sou professor com essa história? Alguém precisa ser, e, na minha experiência pessoal, é a escolha consciente da minha função que me mantém.

Gustavo Montoia

Gustavo Montoia é geógrafo e doutor em Planejamento Urbano e Regional pela UNIVAP. É docente dos Colégios Univap e da EE Francisco Feliciano F. da Silva (Verdinho) e pesquisador-colaborador do Laboratório de Estudos das Cidades da Universidade do Vale do Paraíba.

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