Gustavo Montoia: A vida adoecida

Chegamos ao final do ano e, mais uma vez, Black Friday, presentes, publicidade dia e noite nas mídias: essa é a rotina cansativa em nossa sociedade doente. Trabalhamos excessivamente para consumir, e, quando chegamos em casa não nos sentimos suficientes diante das necessidades. Exaustos, dormimos mal, acordamos cedo e trabalhamos mais.

Aceitamos essa realidade que incita nossos hormônios do prazer e da alegria com produtos que perdem cedo sua utilidade, com passeios nos shoppings, que agitam nossas mentes, e com a constante comparação de que a “grama do vizinho sempre é mais verde”, ou seja, temos continuamente algo a desejar.

Nas publicidades, a família é feliz por adquirir um novo carro, o casal é completo em seu relacionamento por ter uma conta naquele banco, o corpo é saudável porque consumiu aquela bebida com falso leite e aroma de frutas ao lado de notícias que deprimem, como guerras, tensões políticas e necessidade de ter que, a todo momento, adotar um posicionamento que é superficial.

A cada ano que passa ficamos mais endividados, pelo estímulo ao nosso id (nossos prazeres mais primitivos e libidinosos) e às nossas necessidades básicas, cuja cesta básica diminui em quantidade e aumenta no preço. A preocupação é constante e a ansiedade também. Segundo a Associação Brasileira de Supermercados, o consumo no Brasil encerrou o primeiro semestre em alta de 2,47%, mas o endividamento atinge 78,3% das famílias brasileiras (dados de abril deste ano)

Não que tudo seja ruim, como compras e passeios, aquisições materiais ou uma distração qualquer. Entretanto, desfrutamos pouco a nossa casa, com janelas abertas e sentados no quintal ou garagem para ver a vida apenas passar ou, quem sabe, sentar-se em uma praça, caminhar em um parque público que não exija vestimenta, status e nem a compra de qualquer coisa, apenas passeio, conversa e observações.

O trabalho exige cada vez mais tempo, maior produtividade, mais resultados e metas, com poucas horas para lazer ou família. Se considerar tempo de deslocamento para o trabalho, no Brasil, gastamos 20% do nosso tempo de vida, e, segundo uma pesquisa britânica (realizada há 10 anos aplicada em 25 países), homens e mulheres têm apenas 36 minutos por dia para passar tempo de qualidade com a família.

A deterioração de salários e afrouxamento de direitos trabalhistas pioraram essa qualidade de vida, aumentaram as nossas preocupações diárias e criaram uma corrida geradora de depressão, burnout e individualismo, um cenário nada desejado para os liberais e muito menos para os conservadores. Há quem diga que, se estiver insatisfeito, deixe seu emprego para outro. E verdade é, que na instabilidade de nosso país, muitos aceitam apesar das condições oferecidas.

Basta um governo redirecionar algo sobre Direito Trabalhista, que alguns setores da sociedade “gritam”, falam que não serão capazes de gerar empregos, e, como moeda de troca, mais trabalho, menos tempo, menos direitos. Nem sempre a vida é feita de escolhas, pode ser feita de opções, aquelas que são oferecidas ou que você consegue alcançar. E a vida está difícil. Adoecida.

Gustavo Montoia é geógrafo e doutor em Planejamento Urbano e Regional pela UNIVAP. É docente dos Colégios Univap e da EE Francisco Feliciano F. da Silva (Verdinho) e pesquisador-colaborador do Laboratório de Estudos das Cidades da Universidade do Vale do Paraíba.

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