Natal é uma data confusa. Alguns comemoram sem significado nenhum, ignoram a tradição cristã desde os tempos do imperador Constantino. Este imperador, na verdade, desejou realizar um milk-shake de crenças e aliou a comemoração do deus sol com a sua mais recente fé em Jesus Cristo, provavelmente, mais um deus para seu panteão, garantindo sua governabilidade.
No século XX, o capitalismo e a criatividade da Coca-Cola colocaram esta data em um novo patamar: Papai Noel, o velhinho com roupas vermelhas instigou a imaginação das crianças, o id da sociedade de consumo em massa e avolumou os bolsos dos comerciantes.
Mesmo assim, não se esvaziou de significados esta data: reconciliação e reunião familiar, renovação da fé, ações de solidariedade e as contradições. O dia em que Maria, ao dar à luz, não tinha lugar para ficar e sobrou-lhe um estábulo. Para Jesus, o local que animais se alimentavam. Para José, a preocupação.
Natal é o dia de quem fugiu para escapar da violência do Estado. O Imperador mandou matar as crianças e o refugiado foi para o Egito como fugitivo. Viveu como pobre, em casa simples, emprego braçal, conhecido como “o filho de José, o carpinteiro”. Confundido com os demais, Jesus era, visivelmente, muito mais comum do que imaginamos e o poder religioso fora incomodado com suas ações – em sua esfera não havia espaço para um pobre cuja pregação ameaçava sua ideologia.
Este Jesus agradeceu a Deus pela revelação de sua mensagem aos pobres e isso não era uma metáfora. Assim, o Natal se confunde com a mesa farta e, no fundo da sala, o presépio do pobre celestial em meio aos discursos liberóide que, na prática, tira cada vez mais do pobre e chama de meritocracia como se todos os grupos sociais partissem de uma mesma largada.
O Natal em que todos “entendem” Jesus, mas não entendem o pobre. Essa pobreza que apenas quem a tem, sente. Sente a vergonha, o constrangimento de depender da bondade de alguém que faz mais para se sentir bem do que fazer o bem. Sente a exclusão e a invisibilidade neste discurso de caridade que não resolve o problema. Como disse Dom Helder Câmara: “o verdadeiro cristianismo rejeita a ideia de que uns nascem pobres e outros ricos, e que os pobres devem atribuir a sua pobreza à vontade de Deus”.
O Natal daqueles que não tem casa, que são refugiados, sofrem racismo e violência do Estado – pois este, em vários lugares do mundo, mata mais os estigmatizados do que pune os verdadeiros responsáveis. O Natal das 3 em cada 10 famílias brasileiras que não conseguem comprar comida o suficiente, da fome que atinge lares de crianças de até 10 anos e de mais de 500 mil crianças que sofrem de desnutrição crônica com menos de 5 anos e de outras 200 mil que apresentam desnutrição grave abaixo do peso e altura ideais.
É o Natal de um país, cujos cidadãos, deveriam se envergonhar. Que endeusam quartéis ignorando quem pede comida. Que chamam de liberdade, desrespeitando a escolha dos outros. Que se incomodam com aqueles que pedem justiça, mas, se houver justiça, muitas estruturas mudam e isso não pode acontecer. O Natal do “amor” que tem a permissão de odiar alguém. O Natal cujo governo veta o reajuste da merenda.
É uma data confusa de se desfigura pois, sempre se constrói um Jesus diferente da maneira que ele esteve aqui. Nosso Jesus confortável é o que comemoramos, quando, na verdade, é bem mais provável que Ele não esteja no meio de nós.
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