CONHECENDO A HISTÓRIA – Benedicto Lencioni

 VESTIR-SE COM ELEGÂNCIA EUROPÉIA, NUM PAÍS TROPICAL

– Na época do Brasil Império, as pessoas obtinham aquilo que era necessário para sua sobrevivência principalmente da Europa. A transposição espacial carregou consigo o hábito europeu de vestir-se, de um país frio, para as terras quentes.

– Não tínhamos, obviamente, as facilidades que hoje dispomos. Os avanços e as conquistas foram acontecendo lentamente. Somente no último quartel do Século XX e começo de XXI, como nenhuma outra geração, fomos atropelados por uma sucessão extraordinária e vertiginosa de mudanças em todos os setores, especialmente pelo mundo da tecnologia. O que demorava séculos, acontecem em anos, quando não em meses.

– Para controle do mercado era, proibido ter indústrias na colônia. Sabemos que em determinado tempo do período colonial, o Brasil não podia ter indústrias de tecidos e outras. Fomos explorados com o fornecimento de pau-brasil e, enriquecemos Portugal com ouro, prata e pedras preciosas que, assim pagava suas dívidas com a Inglaterra.

– A população brasileira dependia da importação, praticamente de tudo, com exceção dos alimentos básicos que eram produzidos cavoucando o solo com a enxada, usando a força da animália, o braço escravo.

– Do jornal “Eco Bananaiense” de 12 de fevereiro de 1876,  cidade do rico Vale Histórico, que chegou a garantir empréstimos do Brasil no exterior, lemos a notícia que “acaba de chegar da Corte, d’onde um lindo e variado sortimento de fazendas de primeira qualidade, o que há de mais moderno e bonitos padrões, saídos da alfandega no primeiro deste mês, como sejam: chitas em cassa cambrainha, e em  morins finas (cores fixas) por preços razoáveis, como fazendas boas, merinos, alpacas, etc.”

– Para as costureiras chegaram “franjas de seda preta e cores diferentes e de várias larguras, fitas de veludo para enfeites de vestidos”. Senhoras hábeis manuseavam as máquinas de costura movidas pelos pés. Isso permaneceu no cotidiano até próximo do nosso tempo e se tornou a expressão do mundo feminino da moda. Chegavam também “japonas grandes e pequenas – de baetão bom – paletós de pano preto fino com gola de veludo e outras diversidades de roupas”. Para um país tropical, quente, vestir-se como os europeus de terras frias, demonstrou que a moda era mais forte que o bom senso. E isso perdurou através dos séculos. Hoje ocorre o inverso no mundo das edificações, com amplos espaços cobertos por vidraças, cujo calor resultante só é suportável com aparelhos de ar condicionado. As casas, com pé-direito alto, ficaram para museus. Quando vemos fotos antigas do tempo do Brasil Império, confundimos com os ambientes europeus.

– Para completar vinham calçados, chapéus de diversas qualidades, de palha, do Chile, para senhoras para o uso de andar a cavalo”.

– As chuvas impertinentes do país tropical exigiam o guarda-chuvas “de seda inglesa para homens e senhoras” especificava “de merino”, que era de lã de carneiro, raça originária da Espanha, “brancos e amarelos cobertos de barmante”.

– A moda foi motivo de estudo e do livro “O Espírito das Roupas” – a moda do Século 19, de Gilda de Mello e Souza (Companhia das Letras). Um estudo da arqueologia da gravata e da cartola, do bigode e da bengala, estudando a evolução das saias, dos vestidos e das cores a autora chega a conclusões surpreendentes, analisou Nelson Archer, num artigo na Folha de 10 de maio de 1987.

– Observando fotos antigas do período monárquico vemos como se trajavam os barões do café e da falsa nobreza que compunha o cenário do Império. Barões, duques, marquesas, condes e outros títulos nobres foram criados para esse fim.

– Hoje, neste século verdadeiramente inebriado pela tecnologia e pela imaginação desvairada, o que se vê é o uso do corpo para transmitir pelas imagens das tatuagens e pelos pingentes que saltaram da orelha e do pescoço para o corpo todo, um mundo que procura seu rumo, solto de todas as amarras sociais, morais e econômicas. Seria um ato de rebeldia ou de desvario?

Benedicto Sérgio Lencioni é professor, escritor, historiador e colunista do Semanário.

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