Como tornar nossas cidades resilientes?

Gustavo Montoia

Há uma tragédia anunciada no Brasil todos os anos: as enchentes, os deslizamentos e a precariedade de nossas cidades. Resultado: casas cobertas por água, vidas perdidas ao lado de famílias aliviadas por seus parentes sobreviventes, a tal ponto que os bens materiais tornam-se pequenos e passíveis de recuperação diante da catástrofe.

Contudo, não podemos naturalizar o problema, quando existe ausência de um planejamento urbano e regional que se preocupe com políticas públicas territoriais, isto é, apesar do excesso de chuvas acima da média ser capaz de causar danos, nossas cidades carecem de falta escoamento e locais para infiltração de águas, obras de contenção de enchentes, educação ambiental e bairros planejados.

Falta, justamente, política preventiva, com investimento em pesquisa e até remoção de populações de bairros em situação de risco, com acesso a habitação popular sem a perversidade de olhar para a política social como ônus. Não adianta classificar uma área como “interesse social” só para justificar a permanência da população em situação precária. Quais ações são previstas nos planos diretores municipais? O quanto prefeitos e vereadores estão sintonizados e ativos nestas questões?

O Relatório de Desenvolvimento Humano, da ONU, de 2014, “Sustentar o Progresso Humano: Reduzir as Vulnerabilidades e Reforçar a Resiliência”, abordou sobre as vulnerabilidades sociais diante de catástrofes naturais, desigualdades sociais e até as consequências advindas das mudanças climáticas. Precisamos compreender que, apesar de governos usarem a natureza para justificar suas responsabilidades pelos ocorridos, as enchentes reforçam a presença da pobreza, dos baixos salários e de bairros e seus entornos sem infraestrutura, desde que políticos e endinheirados não morem lá. Mais do que mudanças climáticas, nossas catástrofes são de ordem socioespacial.

É como bairros mais violentos, sem coleta de lixo, sem equipamentos urbanos dos mais diversos porque seu vizinho não é o vereador. E qual não é a surpresa quando bairros com população de maior poder aquisitivo também são atingidos, visto que grandes obras sempre cercam estes condomínios? Não é julgar sobre de quem é maior a dor ou quem é merecedor. É apontar a cidade que sempre é segregada e planejada a toque de caixa, com fins eleitoreiros, e que deterioram a capacidade e as condições das pessoas mais vulneráveis de fazer escolhas melhores para as suas vidas.

Como o geógrafo Milton Santos afirmava, as oportunidades que as pessoas possuem tem muito a ver com o lugar que elas habitam, que passam a oferecer condicionamentos para as suas escolhas. E lugares com condição de pobreza tornam indivíduos mais vulneráveis a situações como essas, que ocorrem no Brasil. Nessa situação, de emergência, toda ajuda é necessária, mas como reparar os danos causados e criar possibilidades para estas pessoas continuarem suas vidas? Pois os bens materiais são importantes, ainda mais para estes que, em sua maioria, perderam tudo o que tinham.

Colchões e alimentos doados não recuperam plenamente casas destruídas, com seus móveis, automóveis, roupas, livros, fotos, memórias de cada família. Aluguel social é uma medida paliativa e não oferece segurança a longo prazo para que as pessoas retomem a sua dinâmica de vida. É preciso criar situações que as tornem resilientes, isto é, empoderá-las para enfrentar e se adaptar às adversidades, e isso começa, dentre outros fatores, com instituições públicas fortes, combate ao individualismo que inibe qualquer concepção de vida coletiva, redução da pobreza, proteção social, cidades que possuam participação popular e governos capazes de combater a especulação imobiliária.

Não se trata de apresentar, com presunção, todas as respostas neste artigo. Todavia, está mais do que na hora de aprendermos essa dura lição.

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