Um levantamento recente revelou que mais de 8 mil brasileiros estão na fila do Sistema Único de Saúde (SUS), em 16 estados, pela cirurgia denominada artroplastia de quadril, intervenção pela qual o presidente Lula deve passar nos próximos meses para tratar uma artrose. Segundo o estudo, no Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo, o tempo de espera pelo procedimento na rede pública de saúde é, em média, de cinco anos. Infelizmente, esses números não surpreendem no cenário trágico da saúde no Brasil, quando se trata de tratamentos médicos especializados.
Um relatório do Ministério da Saúde revelou que mais de 1 milhão de procedimentos cirúrgicos eletivos estão travados na fila do SUS em todo o Brasil. Esses dados são fruto de décadas de falência do sistema da saúde público, apesar das mudanças de governo.
O cenário é claro: o sistema público de saúde apresenta falhas em seus principais programas e precisa de ações mais efetivas para transformar essa realidade. O Ministério da Saúde anunciou que pretende repassar cerca de R$ 600 milhões aos governos estaduais e do DF para a redução dessa fila. De acordo com o Ministério, para receber o recurso financeiro, cada estado deve enviar um plano com o número de cirurgias eletivas identificadas na fila, quantas poderiam ser realizadas com o investimento do governo federal e os hospitais que fariam as operações. O levantamento demonstrou que Goiás é estado que tem a maior fila: são cerca de 125 mil procedimentos travados. Em seguida, aparece São Paulo, com 111 mil, e em terceiro lugar, o Rio Grande do Sul, com 108 mil.
As principais cirurgias que representam demanda represada nos Estados inscritos no Programa até agora são: cirurgia de catarata, retirada da vesícula biliar, cirurgia de hérnia, remoção das hemorroidas e retirada do útero. Certamente, para tratar das intercorrências que algumas dessas condições provocam, o SUS gasta tanto (ou mais) do que gastará com o procedimento cirúrgico em si. Quanto custa mensalmente cada um desses pacientes à espera de uma cirurgia? Esses números não foram apurados.
Segundo as estimativas, esse investimento deve reduzir em cerca de 45% o total dos procedimentos. Assim, se o projeto correr como o planejado, cerca de 487 mil cirurgias serão feitas, mas ainda sobrarão mais de 595 mil na fila de todo o Brasil.
Ou seja, esse programa terá um efeito paliativo. Sem dúvida, ajudará milhares de pessoas e famílias, mas ainda não é a solução para esse gigantesco problema. Essa fila poderá crescer rapidamente, caso não sejam tomadas outras medidas paralelas de curto e médio prazos.
Um fator que corrobora para essa longa espera está na má distribuição dos médicos especialistas no Brasil. O número de médicos no país cresceu fortemente nos últimos anos, atingindo mais de 500 mil profissionais, uma média de 2,4 para cada 1 mil habitantes. Entretanto, a distribuição ainda é bastante desigual, com maior presença nas regiões mais ricas e menos oferta no Norte e Nordeste. Os dados estão são de uma pesquisa realizada pelo Conselho Fede al de Medicina, em dezembro de 2020. A falta de equilíbrio ocorre também quando comparados os sistemas de saúde. Dos profissionais, 28% atendem exclusivamente no setor privado, 22% somente no setor público e os 50% restantes nos dois tipos de serviços.
A redução das filas de espera para procedimentos cirúrgicos no SUS é um desafio complexo que requer ações em várias frentes. O investimento em infraestrutura com a construção ou aparelhamento de hospitais, clínicas e centros de saúde para aumentar a capacidade de atendimento e realização de cirurgias.
Ter lugares e não haver profissionais de saúde para atendimento não resolve. É fundamental aumentar o número de médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde para atender à demanda. Isso pode ser feito por meio de concursos públicos, incentivos para a fixação de profissionais em áreas remotas e a contratação de profissionais estrangeiros.
Paralelo a isso: fundamental otimizar a gestão dos recursos disponíveis, garantindo que sejam utilizados de forma eficiente. Isso inclui a melhoria dos processos de agendamento de cirurgias, a redução do tempo de espera entre a consulta e o procedimento cirúrgico e a melhor utilização dos leitos hospitalares. É importante estabelecer critérios claros de priorização para os procedimentos cirúrgicos, dando preferência aos casos mais urgentes e graves. Isso pode ser feito por meio de triagem adequada e classificação de risco.
É possível que o governo faça mutirões e parcerias com instituições privadas para diminuir filas e atender a essa demanda. Consultas por telemedicina para fazer uma triagem dessas pessoas que estão na fila, a fim de que especialistas avaliem se essas pessoas realmente precisam de cirurgias, pode ser um primeiro passo importante. Depois dessa triagem, pode ser realizado um chamamento dos especialistas por áreas, para que eles sejam distribuídos nos estados e municípios onde suas especialidades sejam mais requisitadas. Uma verdadeira força-tarefa com o uso da tecnologia, como já se provou possível e eficaz em vários projetos financiados pelo PROADI (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde).
Sem dúvida, investir em programas de prevenção e cuidados primários pode ajudar a reduzir a necessidade de procedimentos cirúrgicos. Isso inclui campanhas de vacinação, programas de controle de doenças crônicas e promoção de hábitos saudáveis.
O que tem ocorrido com cirurgias, também se revela em tratamento como a diálise. Em um recente estudo realizado com secretarias estaduais de Saúde e divulgado em reportagem especial no Jornal Nacional, cerca de 1.500 pacientes aguardavam vagas em clínicas de diálise em oito estados da Federação e no Distrito Federal. Ou seja, faltam vagas em clínicas de diálise no sistema público de saúde. A principal causa dessa falta de vagas é o subfinanciamento do setor. Segundo dados da Sociedade Brasileira de Nefrologia, 80% dos pacientes em diálise são atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O Ministério da Saúde acenou com um reajuste insuficiente para cobrir a hemodiálise que, a partir de setembro, será de R$ 240 por sessão, enquanto o custo médio atual é de R$ 302.
O que se espera, em um futuro breve, é que as políticas de saúde pública tratem o indivíduo como parte de um sistema que necessita de políticas sérias, com controle efetivo das demandas reprimidas tanto de cirurgias como consultas ou procedimentos. Necessário projetos de curto, médio e logo prazo para solucionar os problemas de muitas vidas, de muitas famílias. As soluções precisam ser pensadas de forma interdisciplinar, envolvendo vários autores (inclusive a população), sob pena de não se conseguir mudanças duradouras, mas sim soluções imediatistas que não tratam diretamente causas dos problemas de saúde.
Se mudanças não começarem a ser feitas de imediato, o brasileiro continuará ingressando na Justiça para não morrer na fila ou no corredor de um hospital, enquanto o dinheiro público vaza por outros meios, por exemplo, a Judicialização. Essencial que se efetive realmente um programa de promoção à saúde, com a prevenção de doenças e diminuição de uma medicina “hospitalocêntrica”. A sociedade não precisa ter uma saúde pública cronicamente doente.
Sandra Franco é consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde, doutoranda em Saúde Pública, MBA-FGV em Gestão de Serviços em Saúde, diretora jurídica da Abcis, consultora jurídica da ABORLCCF, especialista em Telemedicina e Proteção de Dados, fundadora e ex-presidente da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB de São José dos Campos (SP) entre 2013 e 2018.
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