Por Esther Rosado O ano quase acabando, tão pouco para o Natal e Ano Novo, este 2020 foi aziago, estou louca pra me sacudir feito um cachorro molhado e tirar essa nhaca de cima de mim. Vejo os anúncios poucos de Natal, blém, blém, blém, eu quero mais tirar esta máscara que se me colou ao rosto, Fernando Pessoa. Tanta coisa aconteceu comigo e com os outros, Vida, tanta coisa que nos feriu e consolou. Pessoas que eu amava morreram, amados da vida dos outros também e vamos todos caminhando juntos, amores, amigos e inimigos, gente tão perversa nos governos, genocidas, matadores de árvores, esperanças, tudo caminham lado a lado. Eis a Vida. E Janus quase se mostra, esse deus mitológico de duas
Ponto e Vírgula
Espiadora de bem-te-vis
*Por Esther Rosado Acordar muito cedo tem lá suas vantagens: com hora marcada , em alvoroço de penas e bicos, os pássaros vêm com seu alarido ruidoso . Antes, quando não tínhamos desativado a fonte, eu acordava com os bem-te-vis fazendo barulho bom, bentevizando, sempre com a mesma canção. E pardais também vinham beber.Quem disse que os pardais não são também lindas criaturas deste mundo? Os pardais sempre me chamaram a atenção por conta daqueles olhos espertos, inquietos. Serão feios? Não sei, não; acho-os especialmente bonitos, elegantes, fortes. Mas, de um tempo para cá, acho que assim que começou a Primavera, os tais bem-te-vis migraram para a nossa casa ; dia desses, surpreendi um voo rasante sobre a piscina, batendo o traseiro
NA ESTRADA DOS DIAS, EIS A PRIMAVERA
*Esther Rosado Mas, ah, existe no ar de setembro uma doçura nova, um vento leve que prenuncia a Primavera, nada da secura até agora manifesta. No ar, meu lado bicho fareja as chuvas que virão nos fins de setembro e começo de outubro, dos brotos que se guardam na terra, sob a tímida forma de sementes… Mas, ah, existe este satélite que paira amarelo no horizonte; seu nome é Lua, tão bela que quase nunca ousamos olhá-la sem que dela tiremos os olhos, finjamos tristezas, que bata o nosso coração tão longe de virtudes. Olhando a Lua é que nos descobrimos imperfeitos e trágicos, com a cara semelhante à de um palhaço, este risco no olho, esta boca, esta gravata hilária. Estes cheiros
Os dias perdidos, Jó e o sentimento do mundo
Hoje, eu sei, é dia perdido. De repente, na minha cabeça surge a frase: só podemos encontrar na vida o que verdadeiramente perdemos nela… Encontrei, perdi? Talvez tenha encontrado há tempos, talvez nunca tenha encontrado, eu não sei. O certo é que Mozart toca para mim sua Sinfonia 40 e eu carinhosamente a coloco na moldura, como uma fotografia, juntamente com as lembranças mais felizes de que disponho, o que melhor vivi. Prego a fotografia na parede, como se a vida pudesse estar assim, num varal, ao sol. Na parede do mundo, onde dependuro a minha vida junto com a Sinfonia 40, há transparências e heras. E muito sol. Tanto, que me fere os olhos. E olho a paisagem simples onde
A ampulheta e a concha, um peixe para a água limpa
Aqui, brincando com as palavras feito um menino e sua pipa, dou mais linha ao fio da Vida, desejo coisas impossíveis, sonho meu destino futuro. E porque sonho, ainda quero a grande concha marinha que um dia desejei na infância. Talvez como um símbolo de teimosia, talvez como uma metáfora de que resisto à acomodação e à sensação de "dever cumprido" a que me recuso em nome da existência de que sou dona e que, portanto, me dá o direito de recomeçar todos os dias sem medo. Todos os dias é pouco, mas a cada minuto. Sem medo?Coisas tão raras me cercam e me sustentam; sou este bípede com medo e com memória neste mundo coberto por poluição, grandes explosões, bombas,
Como se fosse uma primeira vez
Tudo muda, eis a grande lição do tempo; e o que nos fazia chorar todas as lágrimas , de repente seca e não é mais vertente. Mudam todas as coisas, cenários e paisagens, seres, coisas e criaturas. Sábio é Machado, “ o tempo põe-nos esquecimentos e cabelos brancos…” Verdade ou mentira? Até os livros, tímidos e enfileirados nas estantes, envelhecem. Neles, eis que subitamente as folhas amarelecem… mas a velhice nos livros, sei lá por que, lhes confere uma dignidade sem nome, talvez porque eles guardem a doçura e a ansiedade de muitas e tantas mãos que os tiveram. Os livros são uma espécie de testemunha do tempo, ali quietos, sem gritos aparentes, guardam em si o mundo que as criaturas escreveram, ousaram,
Cícero, a Primavera e o barrigudinho
Esther Rosado Quando julho começa a caminhar para o fim e as tardes ficam escuras mais rapidamente, eu sei que antes de umas chuvas de início de setembro, a natureza tece raízes, as folhas preparam-se para nascer, ainda escondidas nas pontas dos galhos. Se se olha uma árvore, ela parece feia, o tronco ressecado pelo Inverno, mas se a gente observar detidamente, há um olho do que virá nos olhando: será um broto em poucas semanas. As lagartas, joaninhas,libélulas e outros insetos se juntam escondidamente às aranhas ; os grilos e gafanhotos estão ali, nas sombras do jardim. As lagartixas comem mosquitos, assim de olhos fechados e o rabo que, se cortado, volta a nascer. Práticas da pré - Primavera, uma coisa
Quem matou Marielle e o uso da cloroquina-meu-amor
O MEC anunciou ontem, 8.6, os dois dias para exames: 17 e 24 de janeiro de 2021. Portanto, uma nova corrida para tirar 1 000 na redação parece, finalmente, ter sido anunciada de verdade. Os meninos e meninos de 16 e 17 anos escabelam-se agora : sete meses, uma gestação e tanto para parir um texto e iniciar uma queda de braço, pôr asas nos pés e apelar para santos, remédios, rezas e mandingas. De novo tudo começa e salve-se quem puder. Indígenas morrem de Covid, presidente está com Covid, a vida nunca mais será a mesma depois de tudo isso, dessa pandemia que nos põe a nu e nos mostra frágeis em demasia. Jovens saem à rua e vão a
A Educação e a falta de sensatez
Velez, Weintraub e Decotelli: esses são três nomes inesquecíveis como ministros da Educação. Um pasmo, o outro perverso e o terceiro nem deu tempo de saber. O quarto ministro, esperemos, há de redimir os anteriores.Se saúde e educação são essenciais para qualquer país, que diabos está acontecendo com o nosso? Salta diante dos meus olhos, na tela do computador, uma notícia: que Queiroz vai prestar depoimento ao MPF de dentro da cadeia, ainda hoje. Tremei montes e rios, pedras e cachoeiras, mas o que eu queria mesmo era que a Márcia, mulher do Fabrício, fosse presa e pedisse para falar o que sabe. Se o Queiroz não falar, a mulher fala. E a imprensa terá milhares de assuntos para comentar. Mas voltemos
Mãos sábias, mãos ágeis
Fios e agulhas. Com eles, teço o meu jardim em tempos de Coronavírus. Flores coloridas, folhas alongadas. Fiquei imaginando ontem que trago em mim muitas mulheres que teciam, gerações inteiras que usavam fios, linhas e agulhas, fios de muitas cores, que tricotavam lãs, que usavam teares, fusos, que pedalavam rocas, que costuravam agasalhos para os seus. Sou a penúltima das antigas mulheres que sabem tecer e fazer jardins de lãs e linhas, missão que parece não mais pertencer à minha filha e às minhas duas netas que vivem tão longe de mim. Com o frio chegando, fico a imaginar agasalhos que dezenas de mães que pertenceram à minha família, em passadas gerações, fizeram para os seus filhos, meus parentes longínquos. Sentadas diante